A Lei da Caridade e os Débitos do Espírito. Ensinamentos de Vovó Maria

Os Espíritos não pertencem a uma ou outra religião. São seres inteligentes da criação como nós. Os bons espíritos se manifestam em auxílio dos homens independente de convicções ou crenças religiosas. Isso é irrelevante para eles. O que lhes impulsiona, inspirados e alinhados às leis divinas, é a vontade ativa do auxílio ao próximo e a prática do bem tanto quanto possível.

 

A Lei da Caridade e os Débitos do Espírito. Ensinamentos de Vovó Maria

A Umbanda, como religião fundamentada na prática da caridade e no auxílio aos que sofrem, nos oferece preciosos ensinamentos por meio de seus guias espirituais. Entre eles, destacam-se os Pretos Velhos, que com humildade, sabedoria e firmeza, nos mostram que a espiritualidade não se faz apenas de rezas e rituais, mas de responsabilidade moral, resgate cármico e compromisso com o bem. Esta aula nos convida a refletir sobre a atuação de uma dessas entidades: Vovó Maria, que, com seu jeito sereno e olhar penetrante, revela verdades profundas sobre a lei de causa e efeito, a ingratidão e o poder transformador da caridade.

Vovó Maria estava sentada em seu banco, fumegando seu pito e batendo o pé no ritmo das curimbas, enquanto observava o movimento do terreiro. Cambones iam e vinham, organizando os atendimentos. No plano invisível aos olhos comuns, outras movimentações se davam com intensidade: exus, guardiões e entidades de luz se encarregavam de manter a ordem espiritual no espaço. Espíritos sofredores e obsessores tentavam se aproximar, alguns buscando socorro, outros trazendo zombarias e energias desequilibradas. Muitos estavam presos aos consulentes como verdadeiros parasitas, enroscados em seus corpos astrais, alimentando-se de suas dores e fraquezas morais. Era o retrato claro de como a sombra age de forma sorrateira, tentando neutralizar o esforço do bem.

Entre os atendimentos da noite, aproximou-se uma senhora com traços aristocráticos, vestida com certo esmero, mas claramente incomodada com o ambiente. Arrastava uma perna enfaixada e, mesmo antes de se apresentar, sua postura denunciava desprezo e preconceito. Ainda assim, Vovó Maria a recebeu com carinho, utilizando ervas para limpar-lhe o campo magnético e soprando o fumo consagrado sobre seu abdome, em um gesto de purificação. A mulher, visivelmente incomodada com os aromas e com o contato, pensava em silêncio o quanto se arrependia de estar ali.

Com sua sensibilidade espiritual aguçada, Vovó Maria captou cada pensamento da consulente, mas preferiu manter-se serena. A verdade é que a dor daquela mulher não se restringia à carne. No plano espiritual, uma entidade deformada estava presa à sua perna, alimentando larvas astrais que sugavam sua vitalidade. Era uma ligação antiga, de origem cármica, que exigia intervenção não apenas fluídica, mas também moral. Vovó, com a sabedoria dos que conhecem os caminhos da alma, rompeu os laços negativos, auxiliando o espírito que ali estava acorrentado e promovendo a limpeza profunda no corpo espiritual da mulher. O que, aos olhos físicos, parecia apenas um benzimento com ervas e baforadas de fumo, era, na verdade, um procedimento de alta complexidade magnética e vibratória.

Após a assistência espiritual, a entidade resolveu falar diretamente à consulente, que ainda demonstrava desconfiança. Em tom firme, Vovó Maria questionou por que ela havia buscado auxílio espiritual se, no fundo, desprezava aquele espaço. A mulher admitiu que só havia ido por desespero, já que a medicina não explicava a dor em sua perna. O diálogo se intensificou, e a preta velha, com compaixão e autoridade, revelou que o alívio da dor não era obra do acaso: ela havia feito um curativo espiritual e indicou um procedimento simples para o dia seguinte, lavar a perna com uma rosa colhida ao amanhecer, sob a água corrente.

Contudo, antes que a mulher partisse, Vovó Maria a chamou mais uma vez. Trouxe à tona algo que ela tentava esquecer: uma promessa feita à empregada Sinhá Maria, antes de sua morte. O impacto foi imediato. A mulher ficou em choque ao perceber que Vovó conhecia detalhes íntimos de sua vida. Nesse momento, a lição espiritual se revelou em sua totalidade.

O passado daquela mulher era marcado por violências cometidas em vidas anteriores, quando fora dona de escravos. Um dos laços kármicos mais profundos envolvia Sinhá Maria, sua antiga cozinheira nesta vida, mas que já a havia servido desde tempos coloniais. Apesar de todo o mal cometido, Sinhá Maria a amava como se fosse parte de sua família, e antes de desencarnar, confiou-lhe o cuidado de seu esposo paraplégico, deixando recursos para isso. No entanto, a mulher negligenciou a promessa. Não apenas ignorou o pedido da amiga, como delegou a tarefa a terceiros e abandonou o homem, que hoje definha em um asilo, à espera de uma ajuda que nunca veio.

Ao revelar essa história, Vovó Maria deixou claro um dos fundamentos mais sérios da Lei Espiritual: nada fica escondido aos olhos da verdade. Os débitos morais que ignoramos voluntariamente não desaparecem, apenas se acumulam e retornam no tempo certo, cobrando-nos aprendizado e reparação. A dor física da mulher era apenas o reflexo de uma ferida espiritual mais profunda, ligada à omissão, à ingratidão e à quebra de um compromisso de amor.

A fala final de Vovó Maria ao cambone que tudo observava resume a lição maior desta aula: a caridade é a moeda mais valiosa que possuímos, mas poucos sabem usá-la. E quando não despertamos pela compreensão, a vida se encarrega de nos acordar pelas vias da dor, como um despertador que toca alto para nos tirar da inércia. Tocando fundo no coração do aprendiz, o jovem cambone lembrou-se do próprio avô, também abandonado em um asilo, e prometeu a si mesmo corrigir o erro ainda em tempo.

Ao fim de mais uma noite de trabalho, Vovó Maria seguiu seu caminho rumo à Aruanda, deixando para trás mais do que uma perna curada: deixou uma alma inquieta, um ensinamento profundo e a semente do arrependimento plantada em terreno fértil.

Axé

Autor: Canal de Estudos de Umbanda


A Lei da Caridade e os Débitos do Espírito à Luz da Doutrina Espírita

O texto compartilhado, “A Lei da Caridade e os Débitos do Espírito. Ensinamentos de Vovó Maria”, ilustra de forma tocante como os guias espirituais, independentemente de sua roupagem religiosa, atuam em prol do bem e do aprendizado humano. A Doutrina Espírita oferece uma perspectiva complementar e esclarecedora sobre os fenômenos e conceitos abordados na narrativa, permitindo uma compreensão mais aprofundada das interações entre os planos físico e espiritual e das leis que regem a vida.


O caso de Vovó Maria e da consulente aristocrática é um exemplo vívido de como a lei de causa e efeito se manifesta em nossas vidas, e como a caridade, em suas diversas formas, é o caminho para a reparação e a evolução espiritual. Vamos aprofundar alguns dos termos e situações apresentados no texto sob a ótica da Doutrina Espírita.

A Natureza dos Espíritos e a Caridade Universal

A premissa de que “Os Espíritos não pertencem a uma ou outra religião. São seres inteligentes da criação como nós. Os bons espíritos se manifestam em auxílio dos homens independente de convicções ou crenças religiosas. Isso é irrelevante para eles. O que lhes impulsiona, inspirados e alinhados às leis divinas, é a vontade ativa do auxílio ao próximo e a prática do bem tanto quanto possível” está em perfeita consonância com os ensinamentos da Doutrina Espírita.

Para o Espiritismo, os Espíritos são a individualização do princípio inteligente do Universo, criados simples e ignorantes, mas com o destino de atingir a perfeição, através do livre-arbítrio e da lei do progresso. Eles se comunicam e atuam em diversos contextos mediúnicos, seja na Umbanda, no Espiritismo, ou em outras manifestações religiosas, sempre com o objetivo de auxiliar, consolar e instruir a humanidade. A verdadeira religião, para o Espírito, reside na prática do bem e na vivência do amor, conforme ensinado por Jesus. A caridade é a chave mestra para o progresso individual e coletivo.

Larvas Astrais e Parasitas Espirituais

O texto menciona “entidade deformada estava presa à sua perna, alimentando larvas astrais que sugavam sua vitalidade” e “Espíritos sofredores e obsessores tentavam se aproximar, alguns buscando socorro, outros trazendo zombarias e energias desequilibradas. Muitos estavam presos aos consulentes como verdadeiros parasitas, enroscados em seus corpos astrais, alimentando-se de suas dores e fraquezas morais.”

Na Doutrina Espírita, embora o termo “larvas astrais” não seja comumente utilizado com a mesma especificidade, podemos entender o fenômeno a partir dos conceitos de fluido cósmico universal, perispírito, obsessão e miasmas psíquicos.

O fluido cósmico universal é a matéria elementar primitiva, de onde tudo se origina. É modificado pela vontade dos Espíritos, e é através dele que os fenômenos espirituais se operam. O perispírito é o envoltório semimaterial do Espírito, servindo de elo entre o Espírito e o corpo físico. Ele é permeável e sensível às emanações espirituais e mentais.

Quando um indivíduo vive em desequilíbrio moral, com pensamentos e sentimentos inferiores (ódio, inveja, egoísmo, ingratidão, etc.), ele cria em seu perispírito e em seu campo vibratório uma espécie de “atmosfera” propícia à atração de Espíritos afins. Esses Espíritos, que também se encontram em estado de desequilíbrio e sofrimento, podem se ligar ao encarnado, vampirizando suas energias vitais e emocionais. Essa ligação é o que se compreende como obsessão, que pode se manifestar em diferentes graus:

  • Obsessão simples: influência constante e imperceptível, com a interferência dos pensamentos do obsessor.
  • Fascinação: o obsediado é iludido e enganado pelo obsessor, acreditando que suas ideias são suas e agindo de forma irracional.
  • Subjugação: o obsessor domina a vontade do obsediado, levando-o a atos indesejados e constrangedores.

Os Espíritos obsessores podem se “alimentar” das energias negativas geradas pelos sentimentos desarmônicos dos encarnados. A dor física da consulente, nesse contexto, pode ser o reflexo somático de uma obsessão. As “larvas astrais” mencionadas poderiam ser compreendidas como condensações fluídicas negativas ou miasmas psíquicos gerados por essas interações obsessivas, que se aglutinam no campo perispiritual, drenando a vitalidade e causando desconforto e doença. A limpeza realizada por Vovó Maria, através de ervas e fumo, é um ato de fluidoterapia e desobsessão, atuando na desagregação desses fluidos densos e no desligamento do Espírito obsessor.

Débitos Kármicos e a Lei de Causa e Efeito

A história da consulente revela um profundo débito cármico com Sinhá Maria, resultante de “violências cometidas em vidas anteriores, quando fora dona de escravos” e, mais especificamente, da negligência de uma promessa nesta vida.

A Lei de Causa e Efeito, ou Lei do Carma (termo de origem oriental, mas cujo conceito é amplamente abordado na Doutrina Espírita como “lei de ação e reação” ou “lei da justiça divina”), é um dos pilares do Espiritismo. Ela ensina que toda ação, boa ou má, gera uma consequência correspondente. Ninguém escapa às suas próprias ações. Os sofrimentos do presente são, em grande parte, o resultado de erros cometidos no passado, seja nesta ou em vidas anteriores.

A reencarnação, outro pilar da Doutrina Espírita, explica por que experimentamos certas provações e encontramos determinadas pessoas em nossa jornada. Ela é o meio pelo qual os Espíritos têm a oportunidade de reparar seus erros, de progredir moralmente e de resgatar débitos acumulados. O encontro da consulente com Vovó Maria, e a revelação de seu passado com Sinhá Maria, não foi por acaso. Era um momento de resgate cármico, uma oportunidade de despertar para a realidade de seus débitos e iniciar o processo de reparação.

A dor na perna da consulente era, portanto, um reflexo somático de um desequilíbrio espiritual e moral profundo. O corpo físico serve como um “espelho” das condições do Espírito. A omissão, a ingratidão e a quebra de um compromisso de amor, especialmente em relação àqueles a quem se deve auxílio e gratidão, geram um peso moral que se manifesta de diversas formas, inclusive através de enfermidades físicas.

A Caridade como Moeda Valiosa e Despertador

A frase final de Vovó Maria: “a caridade é a moeda mais valiosa que possuímos, mas poucos sabem usá-la. E quando não despertamos pela compreensão, a vida se encarrega de nos acordar pelas vias da dor, como um despertador que toca alto para nos tirar da inércia”, sintetiza a essência da mensagem espírita.

A caridade não é apenas a esmola material, mas toda ação que visa ao bem do próximo, em pensamento, palavra e obra. Ela é a expressão máxima do amor e, como ensinado por Jesus, é o maior dos mandamentos. A prática da caridade, desinteressada e sincera, é o caminho para a libertação dos débitos e para a elevação espiritual. É através dela que se efetiva o verdadeiro perdão e a reparação.

Quando o Espírito se recusa a aprender pela via do amor e da compreensão, a vida, em sua sabedoria divina, utiliza a dor como instrumento de aprendizado. A dor, seja física ou moral, é um “despertador” que nos convida à reflexão, à mudança de atitude e ao resgate dos compromissos assumidos. O impacto no jovem cambone, que se lembra do próprio avô, demonstra como a lei de causa e efeito (“lei do retorno”) atua e como a consciência dos próprios erros é o primeiro passo para a reparação.

O “curativo espiritual” de Vovó Maria, que aliviou a dor física, foi um primeiro passo para tocar a alma da consulente. A revelação do passado, no entanto, foi o verdadeiro catalisador para a mudança. A semente do arrependimento e da reflexão foi plantada, abrindo a porta para que a mulher pudesse, a partir dali, buscar a reparação de seus débitos.


Bibliografia para Estudo Aprofundado

Para aprofundar seu entendimento sobre esses temas na Doutrina Espírita, recomenda-se as seguintes obras fundamentais de Allan Kardec e outros autores renomados:

  • Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. Editora FEB (Federação Espírita Brasileira) ou outras editoras confiáveis.
    • Para entender a natureza dos Espíritos, as leis morais, a lei de causa e efeito, a reencarnação e a caridade.
  • Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns. Editora FEB.
    • Para compreender os diferentes tipos de mediunidade, a comunicação com os Espíritos, os fenômenos de obsessão e como lidar com eles.
  • Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Editora FEB.
    • Para aprofundar-se nos ensinamentos morais de Jesus à luz do Espiritismo, especialmente sobre a caridade, o perdão e o amor ao próximo.
  • André Luiz (Espírito), psicografado por Chico Xavier. Nosso Lar. Editora FEB.
    • Apresenta uma visão detalhada do mundo espiritual, as colônias de transição, o trabalho dos Espíritos em auxílio aos encarnados e a lei de causa e efeito em ação.
  • André Luiz (Espírito), psicografado por Chico Xavier. Libertação. Editora FEB.
    • Aborda de forma aprofundada os processos obsessivos, as influências espirituais e os mecanismos de resgate e libertação.
  • Joanna de Ângelis (Espírito), psicografado por Divaldo Franco. Conflitos Existenciais. Editora LEAL.
    • Oferece uma perspectiva psicológica e espiritual sobre os desafios humanos, incluindo a superação de padrões negativos e o caminho para o autoconhecimento e a paz interior.
  • Ernesto Bozzano. Fenômenos de Bilocação, Manifestações de Espíritos, A Hipótese Espírita e as Pesquisas Metapsíquicas. Diversas editoras espíritas.
    • Para quem busca um estudo mais aprofundado sobre fenômenos espíritas e suas comprovações científicas.

A leitura dessas obras permitirá uma melhor compreensão dos princípios que regem a vida e as interações entre os planos físico e espiritual.

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