O Dinheiro e a Moral: Uma Análise Sob o Enfoque da Ação Humana e da Escola Austríaca de Economia

A busca pela riqueza, frequentemente retratada como um fim em si mesmo, é um dos mais antigos dramas da humanidade. No entanto, a forma como encaramos o dinheiro e sua relação com a moralidade muitas vezes gera dilemas e debates acalorados. A famosa expressão “dinheiro sujo” ou “dinheiro limpo” está arraigada em nossa linguagem cotidiana. Mas será que o dinheiro, em sua essência, pode ter uma moralidade intrínseca? Para responder a essa questão, é crucial examinar a natureza do dinheiro sob uma lente filosófica e econômica, especialmente à luz da Escola Austríaca de Economia e da filosofia da ação humana.

Assista o vídeo de Daniel Fraga (@danielfragaofc):

Vídeo. Disponível em https://www.instagram.com/reel/DOkQjSrjCyP/?igsh=b3dnZ3hyeGl1ZzZw

 

Dinheiro: Uma Ferramenta Amoral

 

Do ponto de vista filosófico e da contabilidade, o dinheiro é, acima de tudo, uma ferramenta. Ele é um meio de troca, uma unidade de conta e uma reserva de valor. Em essência, o dinheiro é uma tecnologia social, um bem econômico criado para facilitar transações em um mundo de trocas indiretas. Assim como uma chave de fenda ou um martelo, ele não possui uma consciência, intenção ou julgamento moral.

A moral, por outro lado, é uma qualidade que pertence exclusivamente à esfera da ação humana. Ela reside no pensamento, nas intenções e nas escolhas conscientes que fazemos. O filósofo Immanuel Kant, por exemplo, em sua ética do dever, argumenta que a moralidade de uma ação está na máxima que a guia, ou seja, na intenção do agente, e não nas consequências da ação. O dinheiro, por ser um objeto inanimado, não pode ter intenções. Portanto, não pode ser “bom” ou “mau”, “sujo” ou “limpo”.

 

A Incidência da Moral na Ação Humana

 

A moralidade não se encontra no dinheiro em si, mas na incidência da moral sobre a ação humana que o utiliza. O dinheiro se torna “limpo” ou “sujo” não por sua natureza intrínseca, mas pela forma como é obtido e utilizado.

  • Ação para obter dinheiro: A moralidade se manifesta na forma como o dinheiro é adquirido. Ele foi fruto de trabalho honesto, de uma transação voluntária e mutuamente benéfica, ou foi resultado de fraude, roubo, coerção ou corrupção? A moralidade está na ação do ladrão, do corrupto ou do empreendedor, não no montante que eles recebem.
  • Ação com o dinheiro: A moralidade também se revela na destinação do dinheiro. Ele é usado para alimentar a família, investir em um negócio, fazer doações para caridade, ou para financiar atividades ilícitas e prejudiciais à sociedade? A moralidade está na escolha de quem gasta o dinheiro, não na cédula ou no saldo bancário.

Essa perspectiva nos leva a entender que a expressão “dinheiro sujo” é, na verdade, uma metonímia, onde a característica moral da ação humana é transferida para o objeto (o dinheiro). O dinheiro “sujo” é, na realidade, dinheiro que foi obtido por meio de uma ação “suja”, ou seja, moralmente reprovável.

 

A Perspectiva da Escola Austríaca de Economia

 

A Escola Austríaca de Economia, com seu foco na praxeologia — a ciência da ação humana — oferece uma análise profunda e complementar a essa visão. Para os austríacos, como Ludwig von Mises e Carl Menger, a economia não é uma ciência de objetos materiais, mas uma ciência da ação humana. O valor não é intrínseco aos bens (como o dinheiro), mas é subjetivo e atribuído pelo indivíduo.

  • Ação Humana e Volição: A praxeologia parte do princípio de que a ação humana é sempre intencional e direcionada a um fim. A ação é a manifestação da vontade humana. Um ato de troca monetária, por exemplo, é uma ação voluntária, onde duas partes buscam melhorar sua situação, cada uma valorizando mais o que recebe do que o que cede.
  • O Dinheiro como Meio para um Fim: A Escola Austríaca vê o dinheiro não como uma entidade com vida própria, mas como o mais líquido dos bens, um meio para atingir uma miríade de fins individuais. O empreendedor que busca lucro, o trabalhador que busca salário ou o indivíduo que poupa estão todos agindo em busca de objetivos específicos, e o dinheiro é o instrumento que facilita a realização desses objetivos.
  • A Imoralidade do Coercionismo: Para os austríacos, a moralidade e a legalidade estão intimamente ligadas ao princípio da não-coerção. Uma ação moralmente correta, sob essa ótica, é aquela que respeita a propriedade e a liberdade de escolha do outro. O dinheiro obtido ou usado por meio de fraude, roubo ou violência é, portanto, o resultado de uma ação que viola a liberdade e a propriedade, e é por isso que consideramos essas ações moralmente reprováveis. A imoralidade não está no dinheiro, mas no ato de coerção.

 

Conclusão

 

O dinheiro é dinheiro. É uma ferramenta, uma invenção genial da humanidade para facilitar a cooperação social e a divisão do trabalho. A moralidade, no entanto, é uma qualidade exclusivamente humana, uma consequência direta do nosso pensamento e da nossa capacidade de fazer escolhas. Não existe “dinheiro limpo” ou “dinheiro sujo”, mas sim ações humanas moralmente lícitas ou ilícitas para obtê-lo ou usá-lo.

Ao adotar essa perspectiva, compreendemos que a verdadeira discussão sobre ética e dinheiro deve focar não no objeto inanimado, mas nas escolhas e nas responsabilidades individuais que moldam a nossa sociedade. A Escola Austríaca de Economia nos lembra, de forma inequívoca, que o cerne de toda a vida econômica é a ação humana, e é nessa ação que residem as complexidades, os dilemas e, acima de tudo, a moralidade.

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