Este artigo explora a visão de Olavo de Carvalho sobre a cidadania, um conceito que, para o filósofo, vai muito além do simples ato de votar ou cumprir deveres civis básicos.
Cidadania e Consciência: O Pensamento de Olavo de Carvalho
No debate público brasileiro, o termo “cidadania” é frequentemente reduzido a uma relação burocrática entre o indivíduo e o Estado. No entanto, para o filósofo Olavo de Carvalho, a verdadeira cidadania está intrinsecamente ligada à soberania da consciência individual e à capacidade do sujeito de compreender a realidade sem as lentes de ideologias deformadoras.
Para Olavo, o “cidadão ideal” não é aquele que apenas obedece às leis, mas aquele que possui a independência intelectual necessária para julgar o próprio Estado.
1. A Base da Cidadania: A Vida Intelectual
Em sua obra seminal, “A Vida Intelectual”, e em diversos artigos reunidos em “O Mínimo que Você Precisa Saber para não ser um Idiota”, Olavo argumenta que a cidadania plena é impossível sem o cultivo da inteligência.
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O Analfabetismo Funcional: Olavo frequentemente alertava que um povo que não consegue interpretar um texto ou encadear um raciocínio lógico é incapaz de exercer a cidadania. Ele se torna apenas “massa de manobra”.
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Consciência Individual vs. Coletivismo: Para o filósofo, a cidadania começa no “eu”. Se o indivíduo não é dono de sua própria mente, sua participação política é uma ilusão controlada por grupos de poder.
2. O Cidadão Ideal e a Verdade
Segundo a perspectiva olavista, o cidadão ideal busca a unidade do conhecimento na unidade da consciência. Isso significa que o exercício da cidadania exige uma postura ética de busca pela verdade, mesmo que ela contrarie o consenso social ou as narrativas da grande mídia e do meio acadêmico.
“A primeira obrigação do cidadão é não ser um idiota.” — Esta frase, recorrente em seu vocabulário, resume a ideia de que a omissão intelectual é a porta de entrada para a tirania.
3. Cidadania no Brasil: O Diagnóstico do “Paralítico”
Ao analisar a situação brasileira em obras como “O Jardim das Aflições”, Olavo descreve um cenário onde a cidadania é asfixiada por uma estrutura estatal agigantada e por uma elite intelectual que ele chamava de “paralítica”.
Para ele, o pleno exercício da cidadania no Brasil depende de:
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Retomada da Alta Cultura: Sem uma base cultural sólida, o debate político se torna rasteiro e tribal.
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Desconfiança do Estado: O cidadão deve entender que o Estado é um servidor da sociedade, e não o contrário. A “estatolatria” é vista por ele como a morte da cidadania real.
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Responsabilidade Individual: Diferente do modelo assistencialista, Olavo pregava que o cidadão deve ser responsável pelo seu próprio destino, pela sua família e pela sua comunidade imediata.
Conclusão: A Cidadania como Ato de Liberdade
Para Olavo de Carvalho, ser cidadão é ser um indivíduo soberano. O pleno exercício da cidadania no Brasil passaria, necessariamente, por uma revolução cultural e educacional que devolvesse ao brasileiro a capacidade de enxergar a realidade sem intermediários ideológicos.
A cidadania não se exerce apenas nas urnas, mas na mesa de estudos, no domínio da linguagem e na coragem moral de sustentar a verdade diante do poder.
A seguir detalhes sobre a diferenciação entre “Cidadania Real” e “Cidadania Abstrata” presente nas constituições modernas.
Para aprofundar no tema, vamos analisar a distinção fundamental que Olavo de Carvalho fazia entre a cidadania real (concreta) e a cidadania abstrata (legalista), um ponto crucial para entender sua crítica às democracias contemporâneas e à Constituição Brasileira de 1988.
Cidadania Real vs. Cidadania Abstrata: O Embate entre o Papel e a Realidade
Muitos acreditam que a cidadania nasce no momento em que um direito é escrito numa constituição. Para Olavo de Carvalho, essa é uma das maiores ilusões do mundo moderno. Ele argumentava que existe um abismo entre o que o Estado declara que o cidadão é e o que o indivíduo realmente consegue exercer na prática.
1. A Cidadania Abstrata: A Ilusão das Promessas Estatais
A cidadania “abstrata” ou “nominal” é aquela que existe apenas nos textos legais. Olavo criticava o que chamava de fetiche constitucional, onde se acredita que criar leis ou declarar “direitos sociais” (como saúde, moradia e lazer) automaticamente torna as pessoas cidadãs.
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Direitos sem Suporte: Para o filósofo, declarar um direito sem que haja meios materiais ou culturais para exercê-lo é uma forma de estelionato intelectual. Se a lei diz que você tem direito à segurança, mas o Estado não garante a ordem pública, essa “cidadania” é uma abstração vazia.
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O Cidadão de Papel: Na visão olavista, as constituições modernas (especialmente a de 1988) criam um “cidadão de papel” que, embora cheio de direitos teóricos, é cada vez mais dependente e impotente perante a burocracia estatal.
2. A Cidadania Real: O Poder Efetivo do Indivíduo
A “cidadania real” refere-se à capacidade efetiva que um indivíduo ou um grupo tem de agir na sociedade e de se defender das investidas do poder estatal e de grupos de pressão.
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Autonomia Econômica e Moral: A cidadania real não é dada pelo Estado; ela é conquistada pelo indivíduo através da propriedade privada, da educação clássica e do fortalecimento das comunidades locais (família, igreja, associações).
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O Exemplo da Legítima Defesa: Um dos exemplos mais citados por Olavo sobre cidadania real era o direito ao armamento. Ele argumentava que um cidadão desarmado e incapaz de defender sua própria vida é, na prática, um súdito, independentemente do que diga a Constituição. O direito de defesa é um pilar da cidadania real porque confere ao indivíduo uma parcela de soberania concreta.
3. A Substituição da Realidade pela “Festa Democrática”
Olavo de Carvalho alertava que, no Brasil, a cidadania abstrata é usada como um narcótico. Enquanto o cidadão celebra o “direito de votar” (abstração política), ele perde o controle sobre a educação dos seus filhos, sobre a segurança da sua rua e sobre o valor da sua moeda (realidade concreta).
Ele via a proliferação de “conselhos de direitos” e ONGs como uma forma de criar uma pseudocidadania, onde a participação popular é simulada e controlada por agentes estatais ou partidários, esvaziando a soberania do indivíduo real em favor do “coletivo” abstrato.
Conclusão: O Resgate do Concreto
O exercício pleno da cidadania, segundo Olavo, exige o abandono das fórmulas mágicas jurídicas e o retorno ao senso de realidade.
Um povo só é soberano quando seus indivíduos possuem:
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Poder de veto sobre as decisões do governo que afetam suas vidas privadas.
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Independência financeira para não serem reféns de auxílios estatais.
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Domínio da linguagem para não serem enganados por eufemismos burocráticos.
Enquanto a cidadania for vista apenas como um conjunto de benefícios concedidos pelo Estado (Cidadania Abstrata), o brasileiro continuará sendo, nas palavras de Olavo, um “eterno menor de idade” sob a tutela de uma elite que detém a cidadania real.

