Este guia prático foi elaborado para ajudar o motorista de aplicativo a organizar sua vida fiscal, aproveitar o benefício da dedução legal e evitar a malha fina da Receita Federal.
Guia Completo: Carnê-Leão e IRPF para Motoristas de Aplicativo
Trabalhar como motorista de aplicativo (Uber, 99, Indrive) traz liberdade, mas também a responsabilidade de gerenciar seus próprios impostos. A boa notícia é que a legislação brasileira oferece um benefício específico para a categoria que pode reduzir drasticamente o imposto a pagar.
1. Entendendo a Base Legal: A Regra dos 40%
A legislação brasileira, através do Art. 9º da Lei nº 7.713/88 e do Art. 38 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018), estabelece uma presunção de despesa para o transporte de passageiros.
Isso significa que a Receita Federal entende que 40% do que você recebe é gasto com combustível, manutenção, seguro e depreciação do veículo. Portanto:
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60% do rendimento é Tributável (incide imposto).
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40% do rendimento é Isento e Não Tributável.
2. Passo a Passo no Carnê-Leão Web (Mês a Mês)
O Carnê-Leão é obrigatório para quem recebe mais de R$ 2.824,00 (tabela vigente em 2024/2025) de pessoas físicas ou do exterior em um único mês.
Passo 1: Acesse o e-CAC
Acesse o portal e-CAC com sua conta Gov.br (Prata ou Ouro). Procure por “Meu Imposto de Renda” e, em seguida, “Acessar Carnê-Leão”.
Passo 2: Configuração Inicial
Na primeira vez, vá em “Configurações” e identifique-se como trabalhador autônomo. O código de ocupação para motorista de passageiros costuma ser o 152.
Passo 3: O Lançamento Correto (O Pulo do Gato)
Aqui está o ponto mais importante: A data e o valor.
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A Data: Você deve considerar a data em que o dinheiro entrou na sua conta digital (Uber Conta – Digio na Uber ou 99Pay – Parceria com a BPP na 99) ou conta bancária (data do repasse da plataforma), e não a data em que você fez a corrida.
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O Valor: No Carnê-Leão, você deve lançar apenas a parte tributável.
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Cálculo: Pegue o total bruto recebido no mês e multiplique por 0,60 (60%).
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Exemplo: Se você recebeu R$ 5.000,00 no mês, lançará apenas R$ 3.000,00 no Carnê-Leão.
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Passo 4: Despesas Adicionais
Como você já está usando a dedução padrão de 40%, não é permitido abater despesas de combustível ou manutenção no livro-caixa do Carnê-Leão. A regra dos 40% já serve para cobrir esses custos de forma simplificada.
3. Declaração de Ajuste Anual (DIRPF)
No ano seguinte, você deve consolidar essas informações na sua Declaração de Imposto de Renda.
Importação do Carnê-Leão
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No programa do IRPF, vá na ficha “Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física/Exterior”.
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Clique no botão “Importar Dados do Carnê-Leão”. O sistema buscará automaticamente os 60% que você lançou mês a mês.
Informando os 40% Isentos
Os outros 40% que ficaram de fora não podem ser esquecidos, pois eles justificam o aumento do seu patrimônio (compra de bens, saldo bancário).
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Vá na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”.
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Selecione o código 16 (Rendimento bruto máximo de 40% da prestação de serviços de transporte de passageiros).
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Informe o valor total referente aos 40% de todo o ano.
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Exemplo: Se o bruto anual foi R$ 60.000,00, você informará R$ 24.000,00 nesta ficha.
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Alerta Importante para o Motorista
Atenção: Nunca lance o valor bruto total (100%) como rendimento tributável. Se fizer isso, você pagará muito mais imposto do que o necessário. O valor correto a ser tributado é sempre o Total Recebido (-) 40%.
Lembre-se também que, se após o cálculo dos 60% o valor mensal ultrapassar a faixa de isenção da tabela progressiva, você deve gerar o DARF (código 0190) e pagar o imposto até o último dia útil do mês seguinte.
Resumo das Regras
| Conceito | Regra para Motorista |
| Base de Cálculo | 60% do valor bruto recebido |
| Parcela Isenta | 40% do valor bruto recebido |
| Data do Lançamento | Data do repasse/crédito na conta (Regime de Caixa) |
| Base Legal | Lei 7.713/88, Art. 9º |
Pergunta Bônus
Além da dedução de 40%, motorista de aplicativo pode fazer livro caixa para deduzir as despesas?
Essa é uma excelente pergunta e toca no ponto onde muitos motoristas de aplicativo cometem erros que levam à malha fina.
A resposta curta é: Não, você não pode acumular os dois benefícios. Ou você utiliza a Dedução Padrão de 40%, ou você utiliza o Livro Caixa (dedução de despesas reais).
Entenda o porquê e qual vale mais a pena para você:
1. A Regra da Exclusividade
A Receita Federal estabelece que o motorista de passageiros tem um benefício presumido. Ao optar por tributar apenas 60% do que ganha (usando a dedução de 40% prevista na Lei 7.713/88), o governo entende que esses 40% já servem justamente para cobrir o combustível, o seguro, a manutenção e a limpeza do carro.
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Se você usa os 40% de dedução: Não pode lançar gastos com gasolina, IPVA ou oficina no Livro Caixa.
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Se você optar pelo Livro Caixa: Você teria que declarar 100% do seu rendimento bruto como tributável e, a partir daí, subtrair cada nota fiscal de despesa.
2. Por que a Dedução de 40% costuma ser melhor?
Para a grande maioria dos motoristas, a dedução fixa de 40% é muito mais vantajosa e segura por três motivos:
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Menos Burocracia: Você não precisa guardar cada cupom fiscal de combustível (que apagam com o tempo) por 5 anos para comprovação.
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Limite do Livro Caixa: No Livro Caixa, você só pode deduzir despesas se elas forem essenciais para a atividade. Gastos como a prestação do veículo ou o aluguel do carro, por exemplo, geram muitas discussões jurídicas e muitas vezes são barrados pela Receita em fiscalizações de pessoas físicas.
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Matemática Financeira: Em muitos casos, as despesas reais documentadas não chegam a atingir 40% do faturamento bruto, tornando o desconto padrão mais lucrativo para o bolso do motorista.
3. O Único Cenário para o Livro Caixa
O Livro Caixa só valeria a pena se suas despesas documentadas (com nota fiscal e recibos em seu nome) fossem superiores a 40% de tudo o que você recebe das plataformas. Ainda assim, o risco de uma auditoria pedir a comprovação de cada quilômetro rodado é muito maior.
Por que o Imposto de Renda deve ser apurado e pago mensalmente?
Essa é a parte onde muitos motoristas se surpreendem, pois o imposto de renda não deve ser pago apenas uma vez por ano (na declaração de abril). Se você ganha acima de um determinado valor, o pagamento deve ser mensal.
Aqui está o detalhamento de como funciona essa regra, o cálculo e o prazo:
1. A Tabela Progressiva Mensal
O imposto é calculado com base em uma tabela da Receita Federal. Se os seus 60% tributáveis ultrapassarem o limite de isenção, o sistema do Carnê-Leão calculará automaticamente o imposto devido.
Para o ano-calendário de 2024/2025, os valores aproximados são:
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Até R$ 2.259,20: Isento (Não paga nada de DARF).
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De R$ 2.259,21 até R$ 2.826,65: Alíquota de 7,5%.
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…e assim por diante, até a alíquota máxima de 27,5%.
Nota: Existe ainda o Desconto Simplificado Mensal (R$ 564,80) que o sistema aplica automaticamente se for mais vantajoso para você. Na prática, quem recebe até R$ 2.824,00 (após os 40% de dedução) acaba ficando isento de DARF.
2. Exemplo Prático de Cálculo
Imaginemos que você recebeu um total de R$ 6.000,00 (repasse líquido das plataformas) em sua conta digital no mês de Janeiro.
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Separação: 40% (R$ 2.400) é isento. Sobram R$ 3.600,00 (60% tributáveis).
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Lançamento: Você lança R$ 3.600 no Carnê-Leão.
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Cálculo: O sistema verá que R$ 3.600 ultrapassa a faixa de isenção e calculará o imposto (subtraindo a parcela a deduzir da tabela).
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Resultado: O sistema gerará um valor de imposto a pagar.
3. O DARF (Código 0190)
O DARF é o boleto do governo.
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Onde emitir: Dentro do próprio sistema do Carnê-Leão Web, após lançar seus rendimentos, clique no menu “Imposto” e depois em “Demonstrativo”. Haverá um ícone de impressora ou um botão “Emitir DARF”.
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Código 0190: Este código identifica que o pagamento é referente ao Carnê-Leão (recolhimento mensal obrigatório).
4. Prazo de Pagamento: “O último dia útil do mês seguinte”
Este é o ponto onde o motorista não pode vacilar para evitar multas e juros.
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Se o dinheiro caiu na conta em JANEIRO: Você tem até o último dia útil de FEVEREIRO para pagar o DARF.
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Se o dinheiro caiu na conta em MAIO: Você tem até o último dia útil de JUNHO para pagar.
O que acontece se atrasar?
Se você não pagar no prazo, terá que emitir um novo DARF com:
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Multa: 0,33% por dia de atraso (limitada a 20%).
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Juros: Taxa SELIC acumulada.
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O próprio sistema do e-CAC atualiza esses valores se você emitir o boleto após o vencimento.
5. Por que pagar mensalmente se eu vou declarar no ano que vem?
Se você deixar para pagar tudo só na Declaração de Ajuste Anual (em abril do ano seguinte), a Receita Federal aplicará uma multa chamada “Multa de Carnê-Leão” (ou multa isolada), que é de 50% sobre o valor do imposto que deveria ter sido pago mês a mês, mesmo que você pague o imposto total na declaração.
Portanto, o Carnê-Leão não é opcional; é a forma de “adiantar” o imposto para o governo conforme você ganha o dinheiro.
Dica de Ouro: Mesmo que o seu rendimento (os 60%) fique abaixo da faixa de isenção, é altamente recomendável lançar no Carnê-Leão mensalmente. Assim, na hora da Declaração Anual, você só clica em um botão e tudo é importado em segundos.
Conclusão e Recomendação
Como o seu objetivo é simplificar e pagar o menor imposto dentro da lei:
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Mantenha a regra dos 40% isentos.
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Lance apenas os 60% no Carnê-Leão como rendimento do trabalho não assalariado.
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Não preencha a parte de “Pagamentos/Despesas” do Carnê-Leão com custos do carro, pois isso configuraria “bitributação” de despesa na visão da Receita e você seria notificado.
Lembre-se: A dedução de 40% é um direito garantido por lei sem que você precise provar nenhum gasto. É a forma mais segura de evitar problemas com o fisco.

