>> Visão Tradicional
A relação entre o Antigo e o Novo Testamento é complexa e tem sido interpretada de diversas maneiras ao longo da história do cristianismo. Em vez de uma simples derrogação, a visão mais comum é que o Novo Testamento **cumpre**, **desenvolve** e **transforma** aspectos do Antigo Testamento.
Aqui estão alguns pontos importantes a considerar:
* **Continuidade:** O Novo Testamento não surge do nada. Ele se baseia na história, nas promessas, nas profecias e nos conceitos teológicos do Antigo Testamento. Jesus e os autores do Novo Testamento frequentemente citam e se referem às Escrituras hebraicas. Eles viam Jesus como o cumprimento das profecias messiânicas do Antigo Testamento (Mateus 5:17).
* **Cumprimento:** Muitos cristãos acreditam que Jesus cumpriu a lei e os profetas (Mateus 5:17). Isso significa que o propósito final da lei e das profecias encontra seu ápice em Jesus Cristo. Por exemplo, o sistema de sacrifícios no Antigo Testamento é visto como um prenúncio do sacrifício único e definitivo de Jesus pela remissão dos pecados (Hebreus 10:1-10).
* **Nova Aliança:** O Novo Testamento introduz uma “nova aliança” em contraste com a “antiga aliança” estabelecida com Israel no Sinai (Jeremias 31:31-34, Hebreus 8:7-13). Essa nova aliança é centrada em Jesus Cristo e na fé nele, oferecendo uma relação diferente entre Deus e a humanidade, que se estende para além do povo judeu.
* **Transformação:** Algumas leis e práticas do Antigo Testamento, particularmente as leis cerimoniais e rituais ligadas à antiga aliança, não são mais consideradas obrigatórias para os cristãos (Atos 15). A ênfase se desloca para a lei do amor (Romanos 13:8-10, Gálatas 5:14), que é vista como o cerne dos mandamentos de Deus, agora vivida através do Espírito Santo.
* **Relevância Contínua:** Apesar das mudanças, o Antigo Testamento ainda é considerado Escritura Sagrada e relevante para os cristãos. Ele fornece o contexto histórico e teológico para a vinda de Jesus, revela a natureza de Deus, a condição humana e os princípios morais fundamentais que permanecem válidos.
Em resumo, o Novo Testamento não descarta o Antigo Testamento como se ele fosse obsoleto ou sem valor. Em vez disso, ele o interpreta à luz da vinda de Jesus Cristo, mostrando como as promessas de Deus foram cumpridas e como a relação entre Deus e a humanidade foi transformada através dele. O Antigo Testamento lança as bases, e o Novo Testamento constrói sobre elas, revelando a plenitude do plano de Deus em Jesus.
>> Visão Espírita
A visão do Espiritismo sobre a relação entre o Antigo e o Novo Testamento difere da interpretação cristã tradicional, embora reconheça a importância de ambos. Para o Espiritismo, codificado por Allan Kardec, a compreensão das Escrituras se dá à luz da razão, da ciência e da moral universal, com a reencarnação como um princípio fundamental para entender a justiça divina e o progresso espiritual.
Aqui estão alguns pontos chave da interpretação espírita:
Continuidade e Progressividade da Revelação Divina: O Espiritismo entende que a revelação de Deus à humanidade é progressiva e se manifesta em três grandes momentos:
Moisés e o Antigo Testamento: Representam a primeira revelação, focada na lei e na justiça, necessária para um povo em desenvolvimento moral. Contém verdades, mas também elementos transitórios e adaptados à época. Jesus e o Novo Testamento: Representam a segunda revelação, trazendo a lei do amor, da caridade e do perdão, um avanço moral significativo. Jesus é visto como o guia e modelo para a humanidade. O Espiritismo: É considerado a terceira revelação, que vem esclarecer e complementar os ensinamentos anteriores, trazendo o conhecimento da vida espiritual, da reencarnação, da pluralidade dos mundos habitados e da comunicabilidade dos espíritos.
Não Derrogação, mas Explicação e Ampliação: O Espiritismo não vê o Novo Testamento como uma derrogação do Antigo, mas como um desenvolvimento natural. Assim como Jesus disse “Não vim destruir a lei, mas cumpri-la” (Mateus 5:17), o Espiritismo se propõe a dar execução aos ensinamentos de Cristo, explicando passagens que eram obscuras ou mal compreendidas.
A Essência dos Ensinamentos: Para o Espiritismo, a essência dos ensinamentos divinos, presentes em ambas as alianças, reside no amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Essa é a lei máxima que deve guiar a conduta humana.
Interpretação Racional e Moral: O Espiritismo convida a uma leitura crítica e racional das Escrituras, buscando o sentido moral e as verdades universais nelas contidas, sem se apegar à interpretação literal de certos trechos que podem ser considerados simbólicos, alegóricos ou mesmo influenciados pelo contexto histórico e cultural.
A Reencarnação como Chave de Compreensão: A doutrina da reencarnação é fundamental para a interpretação espírita do Antigo e do Novo Testamento. Ela explica as aparentes injustiças, a diversidade de talentos e provações, e a necessidade de múltiplas existências para o aprendizado e a evolução espiritual, temas que não são plenamente abordados no Antigo Testamento e apenas implicitamente no Novo.
Em resumo, o Espiritismo não considera que o Novo Testamento derrogou o Antigo. Pelo contrário, vê ambos como partes de um processo contínuo de revelação divina. O Novo Testamento representa um avanço moral significativo, centrado na figura de Jesus e na lei do amor, e o Espiritismo surge para dar um entendimento mais profundo e abrangente desses ensinamentos, à luz da razão e dos conhecimentos sobre a vida espiritual. A lei do amor, ensinada por Jesus, é considerada a base de toda a moral e a chave para o progresso espiritual, sendo um elo fundamental entre as duas alianças.