A importância do conhecimento da legislação tributária no exercício da cidadania plena

Legislação fiscal é o mesmo que legislação tributária no contexto brasileiro. Ambos os termos referem-se ao conjunto de normas jurídicas que regulam a instituição, cobrança e fiscalização dos tributos. A escolha do termo pode variar, mas o conteúdo é o mesmo: as regras que disciplinam a relação entre o Estado (fisco) e o contribuinte em matéria tributária.

Explicação detalhada, à luz da Contabilidade, Direito, Economia e Administração:

Sistema Tributário Nacional (STN) e a Constituição Federal

O Sistema Tributário Nacional (STN) brasileiro é um dos mais complexos e abrangentes do mundo, sendo sua estrutura e princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (CF/88), principalmente nos artigos 145 a 162. A CF/88 é a norma máxima do ordenamento jurídico brasileiro e, portanto, a base de toda a legislação tributária. Ela define:

  • Princípios Constitucionais Tributários: São limitações ao poder de tributar, garantindo direitos e deveres tanto do fisco quanto do contribuinte. Exemplos incluem:
    • Legalidade (Art. 150, I): Nenhum tributo pode ser instituído ou majorado sem lei que o estabeleça.
    • Isonomia (Art. 150, II): Tributar de forma igual os iguais e desigual os desiguais na medida de suas desigualdades.
    • Irretroatividade (Art. 150, III, “a”): A lei que institui ou majora tributo não pode ser aplicada a fatos geradores anteriores à sua vigência.
    • Anterioridade (Art. 150, III, “b” e “c”): O tributo não pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi publicada a lei que o instituiu ou aumentou, e nem antes de decorridos 90 dias da publicação (anterioridade nonagesimal ou noventena), com exceções.
    • Capacidade Contributiva (Art. 145, § 1º): Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade1 econômica do contribuinte.
  • Competência Tributária:2 A CF/88 delimita as competências de cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para instituir e cobrar tributos, evitando conflitos de competência e a bitributação.
  • Classificação dos Tributos (Art. 145): A CF/88 adota a teoria pentapartida, classificando os tributos em cinco espécies:
    • Impostos: Tributos não vinculados a uma atuação estatal específica relativa ao contribuinte (ex: Imposto de Renda, ICMS, ISS).
    • Taxas: Tributos vinculados a uma atuação estatal específica, divisível e de caráter compulsório, decorrente do exercício do poder de polícia ou da utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível (ex: Taxa de Coleta de Lixo, Taxa de Fiscalização).
    • Contribuições de Melhoria: Tributos instituídos para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária do contribuinte (ex: alargamento de avenida).
    • Empréstimos Compulsórios (Art. 148): Tributos instituídos em situações excepcionais e de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência, e para investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (ex: empréstimo compulsório sobre combustíveis em caso de crise energética).
    • Contribuições Especiais (Art. 149 e 149-A): Tributos com finalidade específica, como as contribuições sociais (para seguridade social), de intervenção no domínio econômico (CIDE) e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Legislação para as Diferentes Espécies de Tributos nas 3 Esferas de Governo

A partir da competência e dos princípios estabelecidos na CF/88, cada ente federativo edita suas próprias leis para instituir e regulamentar os tributos de sua competência:

  1. União (Esfera Federal):

    • Competência: Impostos (Imposto de Renda – IR, Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR, Imposto sobre Grandes Fortunas4 – IGF, Imposto de Importação – II, Imposto de Exportação – IE), Contribuições Sociais (PIS, COFINS, CSLL, Contribuição Previdenciária – INSS), CIDE, Empréstimos Compulsórios.
    • Legislação: Leis Complementares (ex: Código Tributário Nacional – CTN, que estabelece normas gerais de direito tributário), Leis Ordinárias, Medidas Provisórias (com força de lei), Decretos, Instruções Normativas, Portarias, etc.
    • Exemplos:
      • Lei nº 9.249/95 (IRPJ e CSLL).
      • Lei nº 9.718/98 (PIS/COFINS).
      • Decreto nº 7.212/2010 (Regulamento do IPI).
  2. Estados e Distrito Federal (Esfera Estadual):

    • Competência: Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), Taxas estaduais, Contribuições de Melhoria.
    • Legislação: Leis Estaduais, Decretos Estaduais, Resoluções, Normas da Secretaria da Fazenda Estadual.
    • Exemplos:
      • Lei do ICMS de cada estado (ex: Lei nº 12.423/2009 no Rio de Janeiro).
      • Legislação do IPVA e ITCMD de cada estado.
  3. Municípios (Esfera Municipal):

    • Competência: Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Bens Imóveis (ITBI), Taxas municipais (ex: Taxa de Coleta de Lixo, Taxa de Licença de Funcionamento), Contribuições de Melhoria, Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (COSIP).
    • Legislação: Leis Municipais, Decretos Municipais, Portarias, Normas da Secretaria de Finanças Municipal.
    • Exemplos:
      • Lei Complementar nº 116/2003 (normas gerais do ISS, mas cada município tem sua própria lei específica).
      • Código Tributário Municipal de cada cidade (disciplinando IPTU, ITBI, ISS e taxas).

A Visão do Fisco, Formas de Controle e Fiscalização

Do ponto de vista do Fisco (órgãos de arrecadação e fiscalização como a Receita Federal do Brasil, Secretarias Estaduais de Fazenda e Secretarias Municipais de Finanças), a legislação tributária é a ferramenta essencial para o cumprimento de sua missão: arrecadar os tributos para financiar o Estado e garantir o cumprimento da lei pelos contribuintes.

Para isso, o fisco utiliza diversas formas de controle e fiscalização, que se baseiam em:

  1. Obrigações Principal e Acessórias:

    • Obrigação Principal: É o dever de pagar o tributo (em dinheiro, bens ou serviços). Surge com a ocorrência do fato gerador.
    • Obrigações Acessórias: São os deveres instrumentais, impostos pela legislação tributária, com o objetivo de auxiliar o fisco na fiscalização e arrecadação do tributo. São informações, declarações, registros e documentos que o contribuinte é obrigado a apresentar ou manter. Podem ser de “fazer” (emitir nota fiscal), “não fazer” (não rasurar livros fiscais) ou “dar” (entregar declarações).
  2. Cruzamento de Informações: Este é o cerne da fiscalização moderna, utilizando a tecnologia para comparar dados de diferentes fontes e identificar inconsistências, omissões ou fraudes. A Contabilidade, neste ponto, fornece a base informacional. O fisco, por sua vez, age como um auditor externo contínuo.

  3. Diferentes Tipos de Fontes de Informações:

    • Declarações:
      • Pessoa Física: Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda (DIRPF), Declaração de Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR).
      • Pessoa Jurídica:
        • Receita Federal: Escrituração Contábil Fiscal (ECF), Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF), Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB), Declaração de Serviços Médicos e de Saúde (DMED), e-Social (informações trabalhistas e previdenciárias).
        • Estaduais: Declaração de Informações Econômico-Fiscais (DIEFs), Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA).
        • Municipais: Declarações eletrônicas de serviços (para ISS), Declaração de Informações sobre Transmissão de Bens Imóveis (DITBI).
    • Documentos Fiscais Eletrônicos (DF-e): Representam uma revolução na fiscalização. O fisco tem acesso em tempo real às operações dos contribuintes.
      • Nota Fiscal Eletrônica (NF-e): Registra a circulação de mercadorias.
      • Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e): Registra a prestação de serviços de transporte.
      • Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica (NFC-e): Vendas a consumidor final.
      • Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e): Serviços prestados/tomados (em âmbito municipal).
      • Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e): Agrupa documentos fiscais em uma carga.
    • Escriturações Digitais (SPED – Sistema Público de Escrituração Digital): Integram as informações contábeis e fiscais das empresas em um único ambiente digital.
      • ECD (Escrituração Contábil Digital): Livros contábeis (Diário, Razão, Balancetes).
      • EFD-ICMS/IPI (Escrituração Fiscal Digital): Registros de entradas, saídas, apuração de ICMS e IPI.
      • EFD-Contribuições: Apuração de PIS e COFINS.
      • EFD-Reinf: Retenções de tributos (IR, CSLL, PIS, COFINS), informações previdenciárias de serviços tomados/prestados.
    • Guias de Pagamento de Impostos: Documentos que comprovam o recolhimento dos tributos (DARF, DAE, GNRE, DAS, etc.). O fisco cruza os valores declarados com os valores efetivamente pagos.
    • Informações de Terceiros: Bancos (e-Financeira), administradoras de cartões de crédito, cartórios, órgãos públicos, outras empresas, entre outros. O fisco tem acesso a uma vasta rede de informações que permitem reconstituir a vida financeira do contribuinte.

Rigor Técnico-Científico à Luz da Contabilidade, Direito, Economia e Administração

  • Contabilidade: A Contabilidade é a linguagem do negócio e a principal fonte de dados para o fisco. Ela registra os fatos geradores dos tributos, apura as bases de cálculo e os próprios tributos, e gera as informações para as obrigações acessórias. A conformidade contábil-fiscal é fundamental para a governança corporativa e a gestão de riscos. A área de contabilidade tributária é especializada na aplicação da legislação tributária aos registros contábeis. A conciliação das contas contábeis com as declarações fiscais é um processo crítico para evitar divergências e autuações. A apuração do lucro real, lucro presumido ou simples nacional, por exemplo, é intrinsecamente contábil.
  • Direito (Tributário): É o arcabouço normativo que disciplina o poder de tributar. Ele define os elementos do tributo (fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito ativo, sujeito passivo), as garantias do contribuinte e os deveres do fisco. O Direito Tributário estabelece as sanções para o descumprimento da legislação (multas, juros, processos administrativos e judiciais). A interpretação e aplicação das normas tributárias requerem profundo conhecimento jurídico, especialmente diante da complexidade e mutabilidade da legislação. A doutrina e a jurisprudência tributárias são essenciais para a compreensão das nuances legais.
  • Economia: A tributação tem um impacto direto na economia. Políticas fiscais (aumento ou redução de tributos) podem estimular ou desestimular o consumo, o investimento, o emprego e a produção. A Economia Tributária estuda os efeitos da tributação sobre os agentes econômicos, a distribuição de renda, a competitividade e a alocação de recursos. O sistema tributário brasileiro, por ser regressivo e complexo, gera ineficiências e custos de conformidade que afetam a economia como um todo. A análise econômica da carga tributária, da elisão e evasão fiscal, e dos regimes tributários é fundamental.
  • Administração: A gestão tributária é uma área crítica da Administração. Envolve o planejamento tributário (elisão fiscal), a organização para o cumprimento das obrigações fiscais (compliance), a direção das equipes responsáveis e o controle das informações tributárias. Uma boa gestão tributária busca otimizar a carga tributária dentro da legalidade, minimizar riscos de autuações e garantir a conformidade. A automação de processos fiscais, a gestão eletrônica de documentos e a utilização de sistemas de gestão (ERP) são ferramentas administrativas essenciais para lidar com a complexidade da legislação tributária e as exigências do fisco. A Governança Tributária, dentro da administração, visa garantir que a empresa cumpra suas obrigações tributárias de forma ética e eficiente, alinhada com seus objetivos estratégicos.

Em suma, a legislação fiscal/tributária é o conjunto de regras que moldam a arrecadação e fiscalização de tributos no Brasil. Sua compreensão e aplicação exigem uma abordagem multidisciplinar, onde Contabilidade, Direito, Economia e Administração se complementam para garantir a conformidade, a justiça fiscal e o funcionamento do Estado. O fisco, munido de tecnologia e um vasto leque de informações, atua incessantemente para garantir o cumprimento dessas regras, utilizando o cruzamento de dados como sua principal arma na identificação de desvios.

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