É com o coração cheio de joie de vivre que me dirijo a vocês, amantes da arte, para desvendar a essência de um dos pilares mais emocionantes do balé clássico: o Pas de Deux. Mas, para realmente apreciarmos essa “dança a dois”, precisamos primeiro entender onde essa arte maravilhosa nasceu e como ela evoluiu.
Sumário
- A Dança da Realeza: O Nascimento do Balé
- Linha do Tempo: A Evolução Técnica do Balé
- Estrelas que Brilham: Principais Ícones do Balé
- Onde o Balé Floresce: Países de Grande Tradição
- Pas de Deux: O Encontro Perfeito de Força e Graça
- Anatomia do Grand Pas de Deux
- A Magia da Parceria
1. A Dança da Realeza: O Nascimento do Balé
O balé, como o conhecemos, é uma arte que transborda elegância e disciplina. Sua origem, surpreendentemente, não está nos grandes teatros, mas sim nas cortes aristocráticas da Itália Renascentista, no século XV. Eram grandes espetáculos de banquetes e celebrações, onde a dança era usada para impressionar convidados e exaltar a nobreza.
O ponto de virada veio no século XVI, quando a nobre italiana Catarina de Médici casou-se com o Rei Henrique II e levou a dança para a França. Foi em solo francês, especialmente sob o reinado de Luís XIV, o “Rei Sol”, que o balé floresceu. O próprio rei era um bailarino entusiasta e, em 1661, fundou a Académie Royale de Danse, onde a dança de corte começou a ser codificada, formalizando as cinco posições básicas. Assim, o balé encontrou sua linguagem universal.
2. Linha do Tempo: A Evolução Técnica do Balé
A história do balé é uma constante busca por aprimoramento técnico e expressivo, um verdadeiro espelho da sociedade em que se desenvolveu.
| Período | Foco e Estilo | Marcos na Evolução Técnica |
| Século XVII | Barroco/Acadêmico | Codificação das 5 posições. A dança era dominada pelos homens; as coreografias eram mais geométricas e solenes. |
| Século XVIII | Balé d’Action | O coreógrafo Jean-Georges Noverre defende o “balé de ação”, onde a dança deve contar uma história sem o uso de palavras. Foco na expressividade. |
| Século XIX | Romantismo | O auge do balé, com a introdução de seres etéreos e sobrenaturais (Giselle, La Sylphide). Nascimento das sapatilhas de ponta (Marie Taglioni é a primeira). As bailarinas ganham destaque. |
| Final Séc. XIX/Rússia | Clássico Imperial | O coreógrafo Marius Petipa e o compositor Tchaikovsky (com O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida) estabelecem o formato do Grand Pas de Deux e elevam o virtuosismo a um novo patamar. |
| Século XX | Modernização | Desenvolvimento de métodos de ensino (Vaganova, Cecchetti, Royal). Movimento como o Ballets Russes impulsiona o balé neoclássico e moderno, aumentando a amplitude, altura dos saltos e a técnica atlética. |
3. Estrelas que Brilham: Principais Ícones do Balé
Essa jornada não seria completa sem reverenciar os nomes que moldaram a arte:
- Marie Taglioni (Itália, Romantismo): A primeira a dançar en pointe (na ponta dos pés), personificando a bailarina romântica e etérea.
- Anna Pavlova (Rússia, Início Séc. XX): Famosa mundialmente por sua graça inigualável e pela interpretação icônica de “A Morte do Cisne”.
- Rudolf Nureyev e Mikhail Baryshnikov (Rússia, Séc. XX): Ambos desertores do Kirov, revolucionaram o papel masculino no balé, introduzindo saltos mais audaciosos e uma presença de palco inigualável.
- Margot Fonteyn (Inglaterra, Séc. XX): Parceria lendária com Nureyev, celebrada por sua musicalidade e pureza de linha.
- Márcia Haydée (Brasil/Alemanha, Séc. XX): Um dos maiores nomes do balé brasileiro no exterior, famosa por sua intensidade dramática e interpretações no Balé de Stuttgart.
4. Onde o Balé Floresce: Países de Grande Tradição
Embora tenha nascido na Itália e se formalizado na França, a chama do balé foi acesa e elevou-se em outros lugares, criando escolas e estilos únicos:
- Rússia: Incontestavelmente o centro do balé clássico, com a metodologia Vaganova, o Balé Bolshoi e o Balé Mariinsky (Kirov). O virtuosismo, a força e o lirismo dramático russo são uma marca registrada.
- França: Lar do Balé da Ópera de Paris, uma das companhias mais antigas e respeitadas, mantendo a tradição e a elegância de sua escola.
- Reino Unido: Com o The Royal Ballet, conhecido por uma técnica elegante, limpa e um forte repertório narrativo.
- Estados Unidos: Com companhias como o American Ballet Theatre (ABT) e o New York City Ballet (NYCB), que popularizaram o balé neoclássico e introduziram uma abordagem mais atlética e moderna.
- Cuba: O Ballet Nacional de Cuba, fundado por Alicia Alonso, é famoso por desenvolver uma técnica de parceira (Pas de Deux) de altíssimo nível, focada em equilíbrio e sustentação.
5. Pas de Deux: O Encontro Perfeito de Força e Graça
E agora, voltamos ao coração da nossa conversa: o Pas de Deux (Passo de Dois).
É mais do que um dueto; é uma negociação de peso, intenção e respiração. O público deve se perder na beleza da narrativa e da performance, jamais percebendo o esforço técnico por trás. Para a bailarina, o parceiro é a sua âncora e seu propulsor; para ele, ela é a prova viva de sua força e controle.
Anatomia do Grand Pas de Deux
Conforme estabelecido por Petipa, o Grand Pas de Deux segue uma fórmula de ouro, que conhecemos como:
- Entrée: A entrada cerimonial, estabelecendo a presença e a relação entre o casal.
- Adagio: O momento da magia pura. Os movimentos são lentos e amplos (port de bras, arabesques). Aqui, a bailarina desafia a gravidade em longas sustentações e lentos pirouettes, enquanto o partner a apoia com o que chamamos de “mão de barco” (firme, mas discreta) em sua cintura, atuando como uma “terceira perna” invisível.
- Variações: Os dois se separam para mostrar seus solos virtuosos. A Variação Masculina é atlética, explosiva, com altos sauts (saltos) e giros rápidos. A Variação Feminina exige precisão nas pontas, complexos petit allegros (passos rápidos) e giros múltiplos.
- Coda: A grande final, o clímax. É um festival de energia e movimentos conjuntos rápidos, levantamentos dinâmicos (portés) e, muitas vezes, o último e mais desafiador giro em parceria.
A Magia da Parceria
Dominar o Pas de Deux não é apenas dominar a técnica; é dominar a confiança. O parceiro deve ter força muscular e coordenação impecáveis, agindo sempre um passo à frente para antecipar o movimento da bailarina. A bailarina, por sua vez, precisa de um centro e um equilíbrio excepcionais, confiando cegamente na sustentação de seu partner para alcançar a máxima expressividade.
É nesse equilíbrio de dependência mútua, força invisível e graça aparente que reside a verdadeira alma do balé. O Pas de Deux não é apenas dança: é um diálogo de corpos que, por alguns minutos, nos contam uma história de amor, desafio e arte atemporal. E para nós, bailarinos, é a consagração da nossa arte.