A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece um vasto e profundo conhecimento sobre a comunicação com o Mundo Espiritual e a faculdade que a possibilita: a mediunidade. “O Livro dos Médiuns”, em particular, é o tratado fundamental que estabelece os pilares para o estudo, o desenvolvimento e a prática responsável dessa aptidão.
Longe de ser um dom místico ou incontrolável, a mediunidade é uma faculdade orgânica, inerente ao ser humano em diferentes graus (conforme o capítulo XX, item 224, de O Livro dos Médiuns), que se aprimora com o estudo sério, a moralização do médium e o exercício no bem.
O Roteiro Kardecista para o Desenvolvimento Mediúnico
Kardec estabelece que o desenvolvimento da mediunidade não se dá por rituais ou práticas mecânicas, mas sim por um processo que envolve:
- Estudo e Conhecimento: O primeiro passo, e o mais crucial, é o estudo aprofundado da Doutrina Espírita, especialmente O Livro dos Médiuns. O conhecimento protege o médium contra as ilusões, o charlatanismo e a fascinação (influência de Espíritos enganadores). Kardec alerta que a ignorância dos princípios é o principal escolho (cap. V).
- Moralização e Pureza de Intenções: A faculdade é orgânica, mas a qualidade das comunicações depende intimamente do estado moral do médium. A sintonia atrai Espíritos afins. A busca pelo aprimoramento moral, a caridade e a humildade são escudos e chamarizes para os bons Espíritos.
- Exercício Gradual e Metódico: A prática deve ser realizada em reuniões sérias, sob a égide de um grupo esclarecido, com ordem e disciplina. O desenvolvimento é gradual, e Kardec adverte contra a precipitação, que pode levar a resultados infrutíferos ou perigosos (cap. XVIII).
- Concentração e Prece: A elevação do pensamento e a prece sincera criam o ambiente fluídico favorável, harmonizando o médium e o grupo com os Espíritos Superiores.
O Sono do Médium: Sinal de Doação Fluídica e Ectoplasmia
Dentro das manifestações mediúnicas, notadamente as de efeitos físicos (como tiptologia, materializações e transportes), é comum que o médium experimente um estado de sonolência ou prostração, que pode ser profundo, assemelhando-se ao sono ou transe.
Embora o termo “ectoplasma” não tenha sido cunhado por Allan Kardec, mas sim por Charles Richet, um contemporâneo, a substância fluídica a que se refere é detalhada na Codificação Espírita. Kardec, em O Livro dos Médiuns (cap. VI, item 109, e cap. VIII), e em A Gênese (cap. XIV), explica que os Espíritos, para atuarem sobre a matéria ou se tornarem visíveis (materialização), utilizam e combinam o fluido universal com o fluido vital (energia particular dos encarnados) ou o fluido perispirítico do médium.
O Processo de Doação Fluídica (Ectoplasmia)
O sono ou o estado de prostração que o médium de efeitos físicos sente é, muitas vezes, a manifestação orgânica da intensa demanda e liberação dessa energia semimaterial e plástica:
- Natureza da Substância: O ectoplasma (ou o “fluido perispirítico combinado” de Kardec) é uma substância sutil, semi-material, que serve de ponte entre o Espírito e a matéria. É exteriorizado pelo médium (e, em menor grau, pelos assistentes) e é maleável, podendo ser moldado pela vontade do Espírito.
- A Demanda Energética: Os fenômenos de efeitos físicos (mover objetos, produzir ruídos, materializar formas) exigem grande quantidade de energia. Os Espíritos Superiores, que conhecem a ciência dos fluidos, recorrem ao manancial fluídico do médium.
- O Transe e a Sonolência: Para que essa exteriorização fluídica ocorra de forma abundante e controlada, o perispírito do médium precisa estar em um estado de emancipação parcial do corpo físico. O transe mediúnico, a sonolência ou o sono induzido é o mecanismo natural ou espiritual para facilitar esse desprendimento, permitindo que o fluido vital e o perispírito do médium se dilatem e cedam a matéria plástica (o ectoplasma).
- Efeitos no Médium: A liberação dessa substância, que é intrinsecamente ligada à vitalidade do médium, gera um esgotamento orgânico. O corpo físico reage com a necessidade de repouso para repor a energia vital cedida. Daí advém a profunda sonolência, a sensação de fadiga, e, em casos de grande exteriorização, até fraqueza e hipotermia, como forma de o organismo reequilibrar seu reservatório energético.
Nota de Kardec (Síntese): Allan Kardec, ao descrever o mecanismo das manifestações físicas, destaca que o Espírito age sobre a matéria por meio de um fluido que ele combina com o fluido do médium. O Espírito pode, assim, “tocar” e “elevar” objetos, utilizando essa substância como um prolongamento de sua própria ação (Cap. V, item 74, e Cap. VIII).
Implicações e Cuidados
A compreensão desse processo de doação é vital para o médium:
- Necessidade de Repouso: O sono após sessões de efeitos físicos (ou outras que demandem grande esforço fluídico, como passes de cura intensos) é uma necessidade fisiológica e deve ser respeitado para a recuperação do médium.
- Vida Saudável: Uma vida regrada, com alimentação equilibrada, abstenção de vícios (álcool, fumo, etc.), e sono adequado, é fundamental para que o reservatório de fluido vital do médium se mantenha em nível elevado e saudável.
- Sintonia Moral: A pureza da intenção no exercício da mediunidade garante que o fluido cedido seja manipulado por Espíritos benevolentes e com propósitos nobres, minimizando o risco de vampirização ou manipulação prejudicial.
O desenvolvimento da mediunidade, conforme a luz de Kardec, é, portanto, um ato de profunda responsabilidade e autoconhecimento. A sonolência e a fadiga do médium de efeitos físicos são testemunhos do intercâmbio invisível, porém real, entre os planos da vida, onde a energia do encarnado se torna a ponte material para a ação do Espírito. É o corpo que dorme para que a alma, temporariamente desprendida, possa doar a substância da vida para o trabalho do bem.