A máxima de “Amar os vossos inimigos” é um dos pilares do ensinamento de Jesus, e sua profundidade ressoa de maneira particular no Espiritismo, que oferece uma compreensão mais ampla sobre o mérito e a prática desse amor, incluindo a desafiadora ideia de “oferecer a outra face”.
No contexto espírita, a figura do “inimigo” transcende a inimizade convencional. Um inimigo, na visão do Espiritismo, pode ser qualquer pessoa que, por suas atitudes, pensamentos ou ações, nos causa sofrimento, nos persegue, ou tenta nos prejudicar, seja de forma explícita ou velada. Surpreendentemente, esses “inimigos” podem ser, inclusive, parentes próximos, como um pai ou uma mãe que, por suas imperfeições morais ou desequilíbrios, agem de forma prejudicial.
Essa compreensão não invalida o preceito de “honrar pai e mãe”. O Espiritismo esclarece que honrar não significa concordar com o erro ou se submeter ao abuso. Honrar é reconhecer neles os espíritos que nos foram confiados para a experiência familiar, respeitando sua individualidade e o papel que desempenham em nosso aprendizado, mas sem compactuar com suas falhas. O amor aos “inimigos” – mesmo que sejam pais ou mães que nos causam dor – é o maior ato de caridade e a busca pela conciliação espiritual, visando o bem de todos os envolvidos em uma jornada evolutiva.
Passagens Bíblicas sobre o Amor aos Inimigos
Diversas passagens bíblicas reforçam a importância de amar e orar pelos inimigos:
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Mateus 5:43-48: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis1 filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz chover sobre justos e injustos. Pois, se amardes2 os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem3 também o mesmo os publicanos? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem também o mesmo os gentios? Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.”
Esta é a passagem central, onde Jesus eleva o conceito de amor para além do círculo dos que nos são agradáveis, estendendo-o àqueles que nos odeiam ou perseguem. O mérito, segundo Jesus, reside em imitar a perfeição do Pai, que oferece suas bênçãos indiscriminadamente a todos.
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Lucas 6:27-36: “Mas a vós, que ouvis, digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam.4 Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te tirar a capa, não lhe negues também a túnica. Dá a qualquer que te pedir; e ao que é teu, não lho tornes a pedir. E como vós quereis que os homens vos façam, assim fazei-lhes vós também. E se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais5 receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, e6 fazei o bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.”7
Lucas reitera e expande o ensinamento de Mateus, adicionando exemplos práticos de como manifestar esse amor: fazer o bem, abençoar, orar, oferecer a outra face, e emprestar sem esperar retorno. A recompensa é ser “filhos do Altíssimo”, refletindo sua misericórdia.
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Romanos 12:14, 17-21: “Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. […] A ninguém torneis mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem diante de todos os homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei,8 diz o Senhor. Pelo contrário: Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o9 bem.”
O apóstolo Paulo ecoa os ensinamentos de Jesus, instruindo os cristãos a abençoar, não retaliar, buscar a paz e, de forma surpreendente, ajudar ativamente os inimigos em suas necessidades básicas.
O Que é “Oferecer a Outra Face”?
A expressão “oferecer a outra face” não se trata de uma recomendação para se submeter passivamente à agressão física, mas sim de uma poderosa metáfora para o não-revide e a superação do mal com o bem.
Na época de Jesus, ser atingido no rosto, especialmente com as costas da mão, era um gesto de profunda humilhação e insulto. Oferecer a outra face, portanto, significa não retribuir a ofensa ou o mal recebido com o mesmo tipo de agressão. É romper o ciclo da vingança e da escalada do ódio.
Como bem disse Divaldo Pereira Franco: “O mal que me fazem não me faz mal, o mal que me faz mal é o mal que eu faço, porque me torna um ser mau.” Esta frase sintetiza a essência de “oferecer a outra face”: o verdadeiro dano não está no que o outro nos faz, mas na forma como reagimos a isso. Ao não retribuir o mal com o mal, preservamos nossa integridade moral e impedimos que a semente da maldade se prolifere em nosso próprio coração. É uma atitude de força moral, não de fraqueza.
O Amor aos Inimigos e o Mérito Segundo o Espiritismo
O Espiritismo, com sua compreensão da lei de causa e efeito (ação e reação), da reencarnação e da evolução espiritual, oferece uma perspectiva aprofundada sobre o mérito do amor aos inimigos:
- Lei de Causa e Efeito e Reencarnação: Inimizades muitas vezes são resquícios de desafetos de vidas passadas. Amar e perdoar o inimigo é uma forma de quebrar o ciclo de ódio e vingança que pode perdurar por várias existências. É a oportunidade de resgatar débitos espirituais e de promover a conciliação.
- Aprimoramento Moral: O mérito de amar o inimigo está diretamente ligado ao esforço moral e à superação das paixões inferiores. Não é um amor sentimental, mas um ato de vontade e caridade, que demonstra a elevação espiritual do indivíduo. Ao amar quem nos persegue, provamos que estamos acima dos impulsos primitivos de retaliação e que nosso amor é incondicional, semelhante ao amor divino.
- Desprendimento e Caridade Autêntica: O amor aos que nos amam é natural. O amor aos inimigos, por outro lado, exige desprendimento do ego e um verdadeiro exercício de caridade. É a manifestação mais pura do preceito evangélico de “amar ao próximo como a si mesmo”, pois inclui aqueles que nos causam dor.
- Vibração e Transformação Interior: O Espiritismo entende que o pensamento e a oração são vibrações que atuam sobre o perispírito. Ao orar por um inimigo, não só nos libertamos do fardo do ódio e do rancor, que nos prejudicam, mas também emitimos energias positivas que podem, de alguma forma, influenciar o outro, estimulando sua própria transformação moral.
A Relação com o Amor e a Oração por uma Pessoa Narcisista que o Persegue
A oração e o amor por uma pessoa narcisista que o persegue se encaixam perfeitamente nos ensinamentos de Jesus e na visão espírita:
- Libertação Pessoal: Orar por quem o persegue, inclusive um narcisista, é antes de tudo um ato de autocuidado e libertação. Ao invés de se prender à raiva, ao ressentimento e ao desejo de vingança (sentimentos que o prejudicam mais do que ao outro), você se liberta dessas amarras emocionais. Você deixa de estar à mercê das ações do perseguidor e assume o controle de sua própria paz interior.
- Compreensão da Ignorância Espiritual: O Espiritismo nos auxilia a entender que comportamentos destrutivos, como o narcisismo e a perseguição, muitas vezes derivam da ignorância espiritual e de imperfeições morais. A pessoa pode estar em um estágio de evolução onde ainda não compreende o impacto de suas ações ou está presa a comportamentos egoístas arraigados. Orar por ela é um ato de compaixão por essa ignorância e uma esperança em seu futuro aprimoramento.
- Vibrações Positivas e Possível Influência: Embora a mudança seja sempre uma escolha individual, a oração e o envio de vibrações positivas podem atuar de forma sutil no perispírito da pessoa narcisista. Essa energia de amor e perdão pode, eventualmente, acionar um despertar de consciência ou suavizar as arestas de seu caráter, contribuindo para que, em algum momento, ela reflita sobre suas atitudes.
- Exercício da Caridade e do Perdão: Amar e orar por um perseguidor narcisista é um exercício avançado de caridade e perdão. Não significa aprovar o comportamento abusivo, mas sim desejar o bem-estar e a evolução espiritual daquela alma. É reconhecer que, no fundo, todos somos espíritos em evolução, e que o amor é a força mais poderosa para a transformação.
- Acumulação de Mérito Espiritual: Assim como Jesus e Paulo indicaram, amar e orar pelos inimigos nos eleva espiritualmente. Ao praticar essa caridade difícil, você acumula mérito espiritual, fortalece seu próprio caráter e se aproxima da perfeição moral, tornando-se “filho do Pai que está nos céus”.
Em suma, amar e orar por uma pessoa narcisista que o persegue, à luz dos ensinamentos de Jesus e da doutrina espírita, é um caminho de libertação pessoal, de caridade profunda e de aprimoramento espiritual, independentemente do resultado imediato sobre o outro. É a demonstração máxima da fé no poder transformador do amor, e a prova de que o verdadeiro “mal” é o que cultivamos dentro de nós.