Visões cristã tradicional e espírita sobre anjos e demônios.
Visão Cristã Tradicional: Uma Hierarquia Celestial e a Queda
Na visão cristã tradicional, a ideia de anjos e demônios está profundamente enraizada nas escrituras bíblicas e na teologia desenvolvida ao longo dos séculos.
Anjos: São seres espirituais criados por Deus, distintos dos seres humanos. Eles são frequentemente descritos como mensageiros de Deus, executores de Sua vontade e seres de grande poder e glória. Há uma hierarquia celestial complexa, com diferentes tipos de anjos mencionados, como arcanjos (Miguel e Gabriel são os mais conhecidos), querubins e serafins, cada um com funções específicas. Acredita-se que eles sejam inerentemente bons e leais a Deus.
Demônios: A origem dos demônios está ligada à figura de Satanás (também chamado de Diabo ou Lúcifer). Segundo a tradição, Satanás era um anjo de alta posição que se rebelou contra Deus, liderando uma legião de outros anjos em sua queda. Esses anjos caídos se tornaram os demônios, seres espirituais malignos que buscam se opor a Deus e influenciar negativamente a humanidade, tentando-a ao pecado. Eles são vistos como seres sobrenaturais, com poder para causar danos físicos e espirituais. A maldade é considerada uma característica intrínseca a eles, resultado de sua escolha de se afastar de Deus.
Visão Espírita: Espíritos Somos Nós, em Diferentes Estágios
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, oferece uma perspectiva significativamente diferente sobre a natureza dos seres espirituais.
Espíritos: O Espiritismo ensina que os espíritos são as almas ou princípios inteligentes que animaram os seres humanos durante a vida terrena. A morte do corpo físico não é o fim da existência, mas sim a libertação do espírito, que continua a evoluir no mundo espiritual. Essa é uma lei natural e universal, não um fenômeno sobrenatural.
Todos nós somos espíritos em diferentes estágios de evolução.
Satanás, Diabo e Demônios: Na visão espírita, as figuras de Satanás, Diabo e demônios não são entidades criadas separadamente e inerentemente más. Eles representam, na verdade, espíritos que se encontram em um estado de atraso moral e intelectual. Esses espíritos ainda carregam consigo imperfeições, vícios e tendências negativas adquiridas em suas diversas existências. Sua inclinação para o “mal” é resultado de seu próprio livre-arbítrio e do estágio evolutivo em que se encontram.
Detalhes no Pentateuco Espírita:
O chamado “Pentateuco Espírita” refere-se às cinco obras fundamentais que estabelecem os pilares da Doutrina Espírita, codificadas por Allan Kardec:
O Livro dos Espíritos (1857): Esta obra, baseada em perguntas e respostas com diversos espíritos, aborda a natureza dos espíritos, o mundo espiritual, a reencarnação, a lei de causa e efeito, entre outros temas. No que tange aos espíritos imperfeitos (que poderiam ser associados à ideia de “demônios”), o livro explica que eles sofrem as consequências de suas próprias imperfeições e que a dor é um instrumento de aprendizado e progresso. A questão 100 é emblemática ao afirmar que os espíritos se elevam por seus próprios esforços, passando por diferentes graus de perfeição.
O Livro dos Médiuns (1861): Este livro trata da comunicação entre o mundo físico e o mundo espiritual, explicando os diferentes tipos de médiuns e as condições para uma comunicação segura e instrutiva. Ele alerta para a possibilidade de comunicação com espíritos inferiores, cuja influência pode ser prejudicial, mas enfatiza que esses espíritos não possuem poder sobrenatural intrínseco, apenas a capacidade de explorar as fraquezas humanas.
O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864): Esta obra analisa os ensinamentos morais de Jesus à luz da Doutrina Espírita, oferecendo uma nova perspectiva sobre passagens bíblicas. Ela aborda a questão dos “demônios” mencionados nos Evangelhos como sendo, muitas vezes, manifestações de obsessão espiritual, ou seja, a influência perniciosa de espíritos imperfeitos sobre os encarnados. O capítulo X – Os Demônios detalha essa visão, mostrando que os “demônios” não são seres à parte da criação, mas sim almas que sofrem e precisam de auxílio para evoluir.
O Céu e o Inferno (1865): Este livro explora as noções de céu e inferno, não como lugares fixos de recompensa ou punição eterna, mas como estados de consciência resultantes do nível evolutivo do espírito. Os espíritos que persistem no mal experimentam um “inferno” interior, marcado pelo sofrimento moral e pelas consequências de suas ações. Não há uma condenação eterna; todos os espíritos têm a oportunidade de progredir.
A Gênese (1868): Esta obra aborda questões científicas e religiosas, buscando conciliar a ciência com a fé. No contexto dos espíritos, ela explora a criação e a natureza do perispírito (o corpo semimaterial que liga o espírito ao corpo físico), além de discutir a influência dos espíritos nos fenômenos naturais e morais. A obra reforça a ideia de que não há seres criados para o mal, mas sim espíritos em diferentes etapas de sua jornada evolutiva.
Visão Espírita sobre os Anjos: Espíritos Superiores em Missão de Amor e Luz
Na Doutrina Espírita, a figura dos anjos, conforme entendida tradicionalmente, é ressignificada dentro do contexto da evolução espiritual. Em vez de seres criados à parte e hierarquicamente distintos da humanidade, os anjos são compreendidos como:
Espíritos que Alcançaram Elevado Grau de Evolução: Os anjos, na perspectiva espírita, são espíritos que percorreram uma longa jornada evolutiva, superando as imperfeições e paixões que ainda afligem a maioria dos espíritos, incluindo nós, seres humanos encarnados e desencarnados em estágios menos avançados. Eles atingiram um patamar de grande pureza moral e intelectual.
Mensageiros e Servidores de Deus (da Inteligência Suprema): Assim como na visão tradicional, esses espíritos superiores atuam como mensageiros e executores da vontade divina, porém essa “vontade” é entendida como as leis naturais e imutáveis que regem o universo, promovendo a harmonia, o progresso e o amor. Eles auxiliam na implementação dessas leis, guiando e inspirando os espíritos em sua jornada evolutiva.
Benfeitores da Humanidade: Os espíritos elevados, que poderíamos chamar de “anjos” na linguagem comum, dedicam-se ao bem da humanidade e do universo. Eles atuam como guias espirituais, conselheiros e protetores, oferecendo amparo, esclarecimento e inspiração para aqueles que buscam o bem e o progresso. Sua influência é sempre no sentido do amor, da caridade, da paciência e da busca pela verdade.
Não São uma Categoria Separada de Criação: É crucial entender que, para o Espiritismo, os anjos não são uma ordem de seres criada separadamente dos humanos. Eles são espíritos que, através de inúmeras existências e aprendizados, ascenderam a um nível superior de desenvolvimento. Todos nós temos o potencial de alcançar essa mesma elevação, seguindo o caminho do bem e do aprimoramento moral e intelectual.
Manifestações e Nomenclaturas: As diversas denominações de anjos encontradas em outras tradições religiosas (arcanjos, querubins, serafins, etc.) podem ser entendidas, na visão espírita, como diferentes graus de elevação e especialização dentro dessa vasta comunidade de espíritos superiores. Seus nomes, como Miguel e Gabriel, representam espíritos de grande luz e influência que desempenharam e continuam a desempenhar papéis importantes na história da humanidade e em sua evolução espiritual.
No Pentateuco Espírita:
Embora o termo “anjos” possa não ser exaustivamente detalhado como uma categoria à parte, a ideia de espíritos superiores e sua atuação benéfica permeia toda a codificação:
O Livro dos Espíritos: Aborda a existência de diferentes ordens de espíritos, desde os mais inferiores até os mais elevados (questões 100 a 113). Os espíritos puros, no topo dessa escala, são aqueles que alcançaram a perfeição moral e intelectual, exercendo influência benéfica sobre os outros. Eles se aproximam da concepção de “anjos”.
O Livro dos Médiuns: Descreve a comunicação com espíritos de diversas ordens, enfatizando a importância de discernir a qualidade das mensagens recebidas. As comunicações de espíritos elevados são caracterizadas pela sabedoria, benevolência e coerência, refletindo suas qualidades “angelicais”.
O Evangelho Segundo o Espiritismo: Apresenta Jesus como o modelo de perfeição moral mais elevado que a humanidade conhece (um espírito puro em sua máxima expressão). Os ensinamentos e exemplos de Jesus são o guia para a nossa própria ascensão espiritual, o caminho para nos tornarmos, em um futuro distante, espíritos semelhantes aos que hoje chamamos de “anjos”.
O Céu e o Inferno: Descreve os estados de felicidade dos espíritos bem-aventurados, resultado de suas conquistas morais. Essa felicidade pode ser associada à condição dos “anjos”, embora o foco seja no estado de consciência e não em uma categoria separada.
A Gênese: Explora a atuação dos espíritos na criação e manutenção do universo, mostrando que os espíritos de ordem elevada participam ativamente desses processos, sempre em sintonia com as leis divinas.
Para o Espiritismo, os anjos não são seres distintos da criação humana, mas sim irmãos mais velhos em nossa jornada evolutiva. Eles representam o potencial máximo de desenvolvimento espiritual que todos nós podemos alcançar, através do esforço próprio e da vivência das leis de amor e caridade. Eles são exemplos vivos de que a perfeição é uma meta alcançável, inspirando-nos a seguir seus passos rumo à luz.
Em resumo, a visão espírita desmistifica a figura de anjos e demônios, integrando-os a uma compreensão mais ampla da criação e da evolução espiritual. Os “anjos” podem ser vistos como espíritos mais evoluídos, que já superaram as imperfeições e auxiliam no progresso da humanidade, enquanto os “demônios” são espíritos necessitados de aprendizado e transformação. A chave reside na lei do progresso e na oportunidade infinita de evolução para todos os seres espirituais.